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sábado, 25 de junho de 2011

PRISAO

Freqüentes são os casos de prisão ilegal. Muitos deles em virtude de erros burocráticos que fazem constar dos assentamentos policiais como "procurados" pela Justiça cidadãos inocentes.
O ato ilegal praticado por servidores públicos que, ao invés de agirem "como garantidores dos direitos individuais e coletivos, partindo para a atitude de coatores ou de qualquer outro modo infringindo a obrigação que lhes é conferida"(1),é de responsabilidade do Estado, que deve indenizar os danos causados por abuso de autoridade, por força do disposto no art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal(2).
Assim, estabelecida a obrigação indenizatória do Estado, cujo fundamento é a própria Constituição, resta apurar os valores a serem pagos a título de danos materiais e morais, ressaltando-se que esta matéria é pacífica na jurisprudência e doutrina pátrias.
Muito embora os danos materiais não façam parte deste estudo, há que se dizer que são facilmente verificados e os valores a serem pagos como indenização, apurados também sem maiores dificuldades.
O mesmo não se pode dizer com relação aos danos morais. Evidente que a vítima de prisão indevida sofre intensos abalos morais. Mas, é de se indagar: quais os abalos experimentados pela vítima? Com que intensidade? E como indenizar algo que não é mensurável em expressão monetária?

I – DANOS MORAIS: CARACTERIZAÇÃO E OCORRÊNCIA

Os danos morais têm sido, finalmente, reconhecidos no Brasil.
As definições que encontramos em nossa doutrina demonstram claramente a dificuldade de se expressar em valores algo que não tem correspondência no mundo econômico. Determinadas situações não deixam dúvidas de que houve a ocorrência de danos morais ao ofendido. Porém, como as definições e expressões nelas contidas evidenciam, a subjetividade dos danos morais dificulta a justa valoração e, conseqüentemente, a justa indenização dos prejuízos morais.
"Danos morais, na definição de Wilson Mello da Silva, que entre nós é o clássico monografista da matéria, ‘são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico’.
              Trata-se assim de dano sem qualquer repercussão patrimonial, se a injúria, assacada contra a vítima em artigo de jornal, provocou a queda de seu crédito e a diminuição de seu ganho comercial, o prejuízo é patrimonial, e não meramente moral. Este ocorre quando se trata apenas de reparação da dor causada à vítima, sem reflexo em seu patrimônio. Ou, na definição de Gabba, referida por Agostinho Alvim, é o dano causado injustamente a outrem, que não atinja ou diminua o seu patrimônio’. É a dor, a mágoa, a tristeza infligida injustamente a outrem."(3)
José Dias de Aguiar afirma que o caráter distintivo do dano moral é o seu conteúdo, que "não é o dinheiro nem coisa comercialmente reduzida a dinheiro, mas a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a injúria física ou moral, em geral uma dolorosa sensação experimentada pela pessoa, atribuída à palavra dor o mais largo significado". Ressalta ainda o autor que "não há dúvida, porém, que a maior dificuldade do dano moral é precisamente o fato de não encontrar correspondência no critério valorativo patrimonial".(4)
Também demonstra com clareza as dificuldades de valoração dos danos morais Caio Mário da Silva Pereira, ao dizer que "não é assente na noção de contrapartida, pois que o prejuízo moral não é suscetível de avaliação em sentido estrito. (...) Em doutrina, conseguintemente, hão de distinguir-se as duas figuras, da indenização por prejuízo material e da reparação do dano moral: a primeira é reintegração pecuniária ou ressarcimento stricto sensu, ao passo que a segunda é sanção civil direta ao ofensor ou reparação da ofensa, e, por isto mesmo, liquida-se na proporção da lesão sofrida".(5)
Marly Macedônio França, Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, assim se manifestou acerca dos danos morais e sua quantificação:
"Vale lembrar que constitui o dano moral a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo.
Desta feita, na reparação do dano moral, é mister que o julgador examine cada caso, a seu precavido arbítrio, cotejando os elementos probatórios e analisando as circunstâncias, preferindo o desagravo direto ou a compensação não-econômica à pecuniária, sempre que possível, ou se não houver riscos de novos danos.
Por outro lado, enquanto o dano material repercute sobre o patrimônio, o dano moral atinge os bens da personalidade, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima. Na falta de critérios objetivos, a sua aferição torna-se bastante delicada."(6)
Assim, temos que a atribuição de um valor para indenização de danos morais sofridos é difícil tarefa que precisa ser desempenhada com cautela, observando-se, sempre, o atendimento aos objetivos de tal indenização: a compensação da vítima e a punição do ofensor, como veremos adiante.

II – PRISÃO ILEGAL: OFENSA A DIREITOS CONSTITUCIONAIS. OCORRÊNCIA DE DANOS MORAIS

A prisão ilegal, atentado à liberdade de larga ocorrência, infringe inúmeros dispositivos constitucionais e legais, sendo certo que outros tantos existem visando amparar a vítima para garantir-lhe a reparação pelo ato ilegal praticado por agentes públicos.
Inicialmente é de se observar que a prisão ilegal viola a Constituição Federal quando esta garante a "dignidade da pessoa humana"(7), estabelecendo seu art. 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade", e seu inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem", "assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Evidente que além da ilegalidade e da lesão ao status de dignidade e liberdade decorrentes do ato praticado, existem, em virtude do sistema penitenciário brasileiro, riscos de maior gravidade que colocam em jogo a integridade física e mental do preso.
Se o fato de ser ilegalmente detido causa grande constrangimento ao cidadão inocente, incalculáveis os prejuízos morais sofridos em conseqüência da permanência em celas de Distritos Policiais.
Tais riscos são de amplo e geral conhecimento. Sobre eles expressou-se com clareza o Desembargador Sergio Pitombo ao afirmar que "a prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta". E mais. "Aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém, em minutos". "Prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa. Vale assentar: surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois".(8)
Rudi Loewenkron, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, ao manifestar seu voto em julgamento de apelação cível bem salientou que "no tocante ao dano moral, isto é o sentimento de constrangimento e/ou humilhações, embora algumas testemunhas que depuseram não o tenham declarado, o certo é que o ofendido não se sentiu bem com a coisa toda, mostrando-se constrangido por ter que entrar pela primeira vez em uma delegacia e pelo temporário cerceamento do seu ir e vir. Aliás a detenção feita por policiais fardados em plena rua mais o temporário cerceamento da liberdade em uma Delegacia, ainda que não dentro de uma cela é fato que humilha e constrange quem tem algum grau de sensibilidade. Não é mero contratempo. Por isso aceitável que o A. tenha se sentido humilhado e diminuído".(9)
Vemos, portanto, que é desnecessário estendermo-nos sobre tal questão. Nos casos de prisão ilegal parece-nos dispensável avaliar a ocorrência ou não do dano moral diante da pacífica jurisprudência de nossos tribunais. Não resta dúvida: o sofrimento moral é inerente a prisão indevida.
Resta, assim, para tais casos, verificar-se a ocorrência do nexo de causalidade entre o ato praticado pelos agentes públicos – no caso a prisão indevida – e os danos morais experimentados pelo ofendido.

III – A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DIANTE DA PRISÃO ILEGAL

Contra a prisão ilegal encontramos "remédios" nos dispositivos constitucionais já citados – artigos 5º, inciso X e 37, parágrafo 6º - que determinam que nos casos de violação aos direitos de locomoção, intimidade, vida privada ou honra, haverá obrigação de indenização por danos materiais e morais por parte do ofensor – no caso em tela, o Estado, representando o servidor público estadual.
A indenização por danos morais vem sendo, tardiamente, pleiteada em nossos tribunais que os reconhecem pacificamente, determinando obrigações indenizatórias porém, com exagerada parcimônia quanto a apuração do quantum a ser pago ao ofendido, conforme se verá adiante exposto.
O já citado art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, ab-rogando a responsabilidade civil do Estado prevista no art. 15 do Código Civil Brasileiro, estabeleceu a desnecessidade de se provar a culpa do agente público em decorrência de atos praticados no exercício de suas funções. É o que se denomina de responsabilidade objetiva do Estado, sobre a qual se manifesta Dora Maria de Oliveira Ramos da seguinte forma:
"Como regra, a responsabilidade civil tem por fundamento a culpa. Caracteriza-se esta como lesão a um dever jurídico, imputável a alguém, abrangendo o dolo e a culpa em sentido estrito, na forma de negligência, imprudência ou imperícia. Com a evolução trazida pelas transformações sociais da segunda metade do século XIX, passou-se a admitir a responsabilidade sem culpa, decorrente do risco de determinada atividade. Para tanto, basta a caracterização da existência de um dano e do nexo de causalidade entre a ação e o prejuízo.
Constata-se aí, pois, a existência de uma responsabilidade subjetiva, que deriva da culpa do agente, e de uma responsabilidade objetiva, decorrente do risco que a atividade desenvolvida provoca à sociedade, como corolário do princípio oriundo do direito romano que ‘aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes’.
Justapõe-se, assim, como fundamentos da responsabilidade civil, a culpa e o risco.
...
A responsabilidade civil do Estado insere-se no contexto da responsabilidade objetiva".(10)
Nossos Tribunais Superiores ao julgarem casos de prisão ilegal onde está presente o nexo causal entre o ato praticado pelos agentes públicos e o dano moral sofrido, têm em conta, como fundamentação de suas decisões, o princípio da responsabilidade objetiva do Estado para condenação em indenização por danos morais, limitando-se a discutir o valor a ser pago ao ofendido.
A ementa abaixo transcrita sintetiza com clareza o entendimento jurisprudencial:
"DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRISÃO ILEGAL. DANOS MORAIS.
1.O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação de seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal.
2.Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir.
3.O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais.
4.A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado.
5.A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV da CF.
6.Recurso especial provido".(11)
Desta forma, a posição de nossos tribunais é inequívoca. Há a responsabilidade civil objetiva da administração pública que a compromete com questões, inclusive, dessa natureza, qual seja, a obrigação indenizatória no casos de prisão indevida.
É o que nos diz, também, decisão proferida pelo Desembargador Leo Lima:
"RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRISÃO PREVENTIVA INJUSTA. DANO MORAL.
Então, há, no caso, até responsabilidade civil objetiva da Administração Pública, conforme consagrada teoria do risco administrativo, bastando a comprovação do nexo de causalidade entre o fato lesivo e o dano, no que o autor se mostrou convincente".(12)
Diante do que foi acima exposto, clara é a obrigação indenizatória do Estado nos casos de prisão indevida, decorrente de sua responsabilidade objetiva.

IV – DO CARÁTER COMPENSATÓRIO E PUNITIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Talvez em virtude da própria ausência de correspondência no "mundo econômico", as indenizações por danos morais sejam tão parcimoniosas, acarretando o desvirtuamento do caráter punitivo e do caráter compensatório da indenização por tais ofensas.
Vejamos.
Caio Mario da Silva Pereira, ao discorrer sobre o caráter das indenizações por danos morais, aborda a questão sob o seguinte prisma:
"Quando se cuida de dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de duas forças: "caráter punitivo" para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; e o "caráter compensatório" para a vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida o mal sofrido".(13)
Não se pode priorizar um dos caracteres da indenização. Da mesma forma que é preciso compensar a vítima, é preciso punir o ofensor pois somente assim estará se atingindo o verdadeiro objetivo pretendido pelo legislador constitucional.
Assim, a forma de punição que maior eficácia apresenta, em se tratando de indenização monetária, é a fixação de um valor que leve em conta o poder econômico do ofensor, atingindo-o de maneira significativa. Contrário senso, evidente que as indenizações irrisórias pouco ou nada abalam o patrimônio do ofensor, não se prestando ao seu objetivo.
Nos casos de prisão ilegal a jurisprudência vai no sentido de que se deve, sim, indenizar o ofendido. Porém os valores fixados por essa mesma jurisprudência são insignificantes: não trazem compensação satisfatória à vítima de ato tão violento e não acarretam punição do ofensor, no caso o Estado.
É o que se pode ver das decisões proferidas nos casos de pedido de indenização por danos morais em decorrência de prisão ilegal.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou fosse indenizada uma mulher que ficou ilegalmente presa, por erro da administração, por oito dias, em Delegacia de Mogi das Cruzes.
O valor indenizatório foi fixado em R$ 19.200,00 e, no entender do Desembargador Relator Sergio Pitombo, "à evidência, ante a gravidade do ilícito administrativo, tal valor desponta comedido, pequeno até, não servindo como simples fonte de enriquecimento".(14)
Em outro caso onde houve prisão indevida, agora por mera semelhança de nome de um inocente com o de pessoa envolvida em crime falimentar, tendo o ofendido permanecido preso por três dias, a indenização por danos morais foi fixada em R$ 15.000,00, após as considerações de que "de outro ângulo, tomando-se por base ser aviltante a prisão indevida e ilegal, pois retira o bem mais preciosos de um ser humano, a liberdade, fica evidente não ter sido exagerada a fixação dos danos morais em R$ 15.000,00".(15)
Diz a ementa do acórdão acima mencionado:
"Indenização – Dano moral – Arbitramento – Critério – Juízo prudencial – A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leva em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa".
Para um ator detido em via pública e preso ilegalmente por algumas horas foi concedida a indenização de cinco salários mínimos que, hoje, correspondem a R$ 900,00.(16)
Em todas as decisões acima mencionadas, podemos distinguir três pontos comuns:
a prisão ilegal, com a violação do direito à liberdade, traz ao Poder Público a obrigação de indenizar;
o dano moral é inerente à própria prisão e
os valores indenizatórios são irrisórios, não chegando a compensar a vítima de maneira satisfatória e não punindo o Estado de forma que iniba a prática de tais atos, decorrentes, na maior parte das vezes, de grosseiros erros administrativos.

V – CRITÉRIOS ADOTADOS PARA A FIXAÇÃO DO QUANTUM

As diversas definições de danos morais, a exemplo das citadas no tópico I deste estudo, trazem em seu bojo a dificuldade de se valorar tais prejuízos, que não encontram equivalência econômica.
Porém, a dificuldade de se apurar o quantum indenizatório vem expressa com maior nitidez na definição de Alberto Trabucchi, o afirmar que "o ressarcimento dos danos morais não tende a restitutio integrum do dano causado; tende mais a uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompensa, em certo modo, o sofrimento ou humilhação sofrida. Se substitui o conceito de equivalência (próprio do ressarcimento), pelo de reparação que se obtém atenuando de maneira indireta em conseqüência dos sofrimentos daquele que padeceu de uma lesão".(17)
As expressões utilizadas por Trabucchi demonstram com evidência a subjetividade da indenização por danos morais, o que acarreta a dificuldade de se determinar um valor econômico, sem poder se utilizar de qualquer correspondência.
A parcimônia nos valores fixados a título de indenização por danos morais talvez deva-se ao fato de nossos magistrados analisarem a questão sob ótica que lhes permite vislumbrar apenas os tão temidos exageros praticados, por exemplo, nos Estados Unidos da América.
Naquele país, os profissionais de várias áreas, principalmente os médicos e os advogados, encontram dificuldades para o exercício de suas profissões temendo uma fatalidade, mesmo que independente dos atos por eles praticados. As indenizações são milionárias e, aí sim, passam a funcionar como fonte de enriquecimento.
Mas é preciso que se encontre um equilíbrio entre as estratosféricas indenizações americanas e os irrisórios valores estipulados em sentenças proferidas no Brasil.
Para fixação dos valores indenizatórios tem-se aplicado, em muitos casos, o disposto no Código Brasileiro de Telecomunicações e na Lei de Imprensa que assim estabelecem:
Art. 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações
"Na estimação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão das ofensas".
Art. 53 da Lei de Imprensa
"No arbitramento da indenização em reparação de dano moral o juiz terá em conta notadamente:
I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido;
II – a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação".
Inicialmente é de se notar que o Código Brasileiro de Telecomunicações e a Lei de Imprensa são normas específicas que tratam, evidentemente, dos danos morais decorrentes do uso das telecomunicações e da imprensa.
Em não havendo normas específicas para os casos de danos morais decorrentes de prisão ilegal, deveriam as decisões utilizar-se de dispositivos legais constantes do Código Civil e do Código Penal que tratam, exatamente, desses casos. Não há motivo para se utilizar como critério fixador normas específicas de telecomunicações e imprensa quando existem normas estabelecidas pelo Código Civil e Código Penal que poderiam, com muito maior possibilidade de se atender os objetivos das indenizações por danos morais, auxiliar os magistrados na obtenção de valores justos: punitivos e compensatórios.
Aqui, cumpre-nos observar traços discriminatórios de alguns requisitos a serem considerados na fixação do quantum indenizatório. Os dispositivos legais acima transcritos e inúmeras decisões a respeito, utilizam-se da apreciação da "posição social e política do ofendido" como critério para valorar a indenização.
Ora, sabe-se que conforme a posição social e política do ofendido, maior será a repercussão da ofensa, a medida em que ela se torna pública, por exemplo.
Porém, as definições de danos morais ressaltam que as indenizações visam compensar, consolar e amenizar a dor moral, o sofrimento, a humilhação e o constrangimento impostos ao ofendido.
Mas se o "sofrimento moral" não tem preço, não tem valor econômico, discriminatório o requisito que determina levar-se em conta a posição social e política do ofendido. É dizer-se que de acordo com a posição ocupada pelo indivíduo, na sociedade, sua dor seria maior ou menor.
Fosse preso indevidamente um político de expressão ou um expoente da sociedade – note-se que dificilmente ocorreria situação de se confundi-los com uma pessoa "procurada" pela Justiça – e, evidentemente, a indenização não estaria cingida a R$ 15.000,00, como no caso do aposentado desconhecido, preso ilegalmente por três dias. Seriam as dores deles diferentes? Mais ou menos intensas?
Aliás, é preciso ter-se em mente que determinados abusos cometidos pelos agentes públicos, mormente nos casos de prisão ilegal, ofendendo gravemente a dignidade de pessoa inocente, ocorrem com freqüência contra cidadãos desprestigiados socialmente, pertencentes à camadas mais baixas da escala social.
Óbvio que a repercussão de um dano pode ser maior ou menor em virtude da posição social e política do ofendido. Porém, o que se visa indenizar é a dor moral, o sofrimento que por falta de medidas, é igual para todos nós, independentemente de qualquer outro fator.
A citação feita por José Osório de Azevedo Junior ilustra bem a questão. Mencionando notícia publicada no jornal "O Estado de São Paulo" sobre condenação de um supermercado de Belo Horizonte que foi obrigado a indenizar cliente humilhada por funcionários que haviam lhe imputado furto de uma sandália. Segundo José Osório A. Junior, disse a ofendida, "uma digna senhora do povo": "dinheiro nenhum pode pagar a vergonha que passei, mas a indenização não deixa de ser um consolo".(18)
Se a indenização visa "consolar" o ofendido por dor íntima, nada pode nos levar a dizer que o sofrimento imputado à senhora acima mencionada seja menor do que o imputado à uma outra pessoa qualquer.
Aliás é bem sabido que determinadas pessoas de alta colocação social e destaque político têm menos brios a serem maculados do que muitas pessoas de pouca ou nenhuma expressão na sociedade ou na política.
Isto considerado, vemos que o critério avaliador contém ranço discriminatório e, por isso, há que ser posto de lado, sob pena de se perder de vista a essência da indenização por danos morais que é aplacara a "dor da alma" que, por imensurável, deve ser tida como igual em todos nós.
Assim, tais dispositivos – Lei de Imprensa e Telecomunicações – seriam imprestáveis para a fixação do quantum indenizatório. A aplicação deles resulta em valores ínfimos diante da gravidade da ofensa imposta àquele preso ilegalmente.
Tanto assim é que José Osório de Azevedo Junior manifestou-se a respeito da aplicação de tais dispositivos especiais da seguinte forma:
"Entretanto, os limites de valor das indenizações aí previstos (100 a 200 salários mínimos) não precisam e nem devem observados. Servem como orientação. Esses limites até sugerem indenização superior. Isto porque, nos casos dessas leis especiais, existe um outro e relevante valor jurídico-social que o legislador quer salvaguardar, isto é, a liberdade de informação".(19)
E continua, ao tratar do quantum indenizatório: "o arbítrio do juiz deve ser, a um só tempo, razoável e severo. Só assim se atenderá a finalidade de compensar e de dar satisfação ao lesado e de desincentivar a reincidência".
Não existe tese que defenda os baixos valores indenizatórios que possa ser aceita.
Algumas poucas decisões, buscando resposta para tão ínfimas indenizações, acabaram por amparar os maus servidores do Estado que agem de forma irresponsável com relação aos cidadãos que deveriam proteger.
Em uma dessas decisões alegou-se que punindo o Estado todos os cidadãos trabalhadores seriam atingidos, na medida em que são contribuintes, salientando que "a imprudência, negligência, ou imperícia da Administração, infelizmente traz conseqüências aos cidadãos contribuintes e trabalhadores". E prossegue a decisão afirmando que "os ressarcimentos que Ele (o Estado) paga decorrem da produção de outros trabalhadores, de qualquer seara, mas trabalhadores".(20)
Tal argumentação encontra forte oposição diante das teorias publicistas nas quais se insere a responsabilidade civil do Estado e diante do que estabelece o parágrafo 6º do art. 37 da Constituição Federal de 1988.
O dispositivo constitucional supra citado dá ao Estado o direito de regresso contra aquele que praticou o ato causador do dano – o servidor público. E é evidente que para atingir os dois maiores objetivos da indenização por danos morais – compensação e punição – fundamental se faz o uso do direito de regresso por parte do Estado contra seus maus agentes.
Aí reside o verdadeiro caráter punitivo da indenização que deveria ser sempre observado. O Judiciário, fixando valores justos para as indenizações, faria com que o Estado lançasse mão de seu direito de regresso onerando, assim, de forma punitiva, o verdadeiro responsável pelos danos causados ao ofendido.
Assim, temos que a soma das indenizações às quais é condenado o Estado poderia, e deveria, vir dos próprios servidores públicos.
Já as teoria publicistas vão no sentido de que há que se respeitar o princípio da justiça distributiva, da socialização tanto dos ônus como das vantagens advindas dos serviços prestados pelo Poder Público.
Tais teorias são bem interpretadas e aplicadas ao se dizer que "a responsabilidade objetiva do Estado decorre do simples funcionamento dos serviços"(21) e que "o fundamento da responsabilidade é o risco, em função do princípio da justiça distributiva, repartindo-se entre a sociedade as conseqüências de danos sofridos por seus integrantes, frente ao proveito que para todos trazem os serviços públicos".(22)
O princípio da justiça distributiva demonstra claramente a imperiosidade de se, assim como ocorre com a repartição dos benefícios, repartir-se, também, os ônus oriundos da atividade estatal.
No dizer de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a idéia de justiça distributiva "baseia-se no princípio da igualdade dos ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelos demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público".(23)
Não parece justo e nem razoável que o ofendido por um servidor público receba uma irrisória indenização do Estado para que não sejam onerados cidadãos trabalhadores. É de rigor a aplicação da teoria da justiça distributiva. Todos são cidadãos tanto para usufruírem dos benefícios que lhes são gerados pela administração como para suportar os ônus pelos maus serviços dessa mesma administração.

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