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quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O novo tipo penal estupro de vulnerável


NOVA LEI 12.015/09

Em decorrência de novas demandas da sociedade no sentido de adaptar nosso Código Penal às novas realidades sociais, e da iniciativa da CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, produziu-se o PLS nº. 253/04, que findou na promulgação da Lei 12.015/09, que trouxe variadas alterações ao Título VI do Código Penal. Por ocasião desta Lei, foi introduzida uma nova figura típica em nosso ordenamento jurídico: o art. 217-A do CP - o Estupro de Vulnerável, que será o objeto central de nosso estudo, cujo enfoque será no sujeito passivo menor de 14 anos. Diante da importância do estudo deste novo tipo penal, e da escassa literatura acerca do mesmo, realizamos uma pesquisa bibliográfica qualitativa, no sentido solver a seguinte problemática: a introdução do crime de Estupro de Vulnerável em nossa sistemática jurídica representou avanço ou retrocesso em relação às previsões legais anteriormente vigentes? Para tanto, teremos como objetivo geral a análise do novo tipo penal Estupro de Vulnerável, e especificamente: indicar as disposições doutrinárias acerca do mesmo; analisar a constitucionalidade do tipo e seus efeitos na Lei de Crimes Hediondos; e, por fim, estabelecer uma crítica comparativa acerca dos conceitos da anteriormente vigente Presunção de Violência, e a dita Objetividade Fática do tipo em apreço.
Em decorrência destas novas preocupações e anseios, é que, de uma iniciativa da CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que produziu o Projeto de Lei do Senado nº. 253 de 2004, foi promulgada, em 07 de agosto do deste ano, a Lei 12.015, trazendo consigo vultosas alterações, com especial destaque ao Título VI do Código Penal, anteriormente denominado "Dos Crimes Contra os Costumes", passando agora a chamar-se "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual".
Por ocasião desta nova Lei, foi introduzido um novo tipo penal em nosso ordenamento jurídico, a figura típica do art. 217-A do Código Penal, o Estupro de Vulnerável, que será o objeto central de nosso estudo, com enfoque no sujeito passivo menor de 14 anos.
Diante da importância da introdução deste novo tipo penal em nosso ordenamento jurídico, e da escassa literatura acerca deste tema, em virtude de sua recente promulgação, entendemos de essencial relevância a reflexão acerca dos efeitos sociais e jurídicos provenientes desta alteração.
A problemática desta produção se constituirá no seguinte questionamento: a introdução do crime de Estupro de Vulnerável em nossa sistemática jurídica representou um avanço, ou um retrocesso em relação às previsões legais anteriormente vigentes?
Desta forma, teremos como objetivo geral a análise do novo tipo penal Estupro de Vulnerável, e especificamente: indicar o conceito, os elementos objetivo e subjetivos do tipo, consumação e tentativa, modalidades típicas, classificação doutrinária, penas cominadas e ação penal; analisar a constitucionalidade do tipo à luz dos Princípios Constitucionais, além de seus efeitos na Lei de Crimes Hediondos; e, por fim, estabelecer uma crítica acerca das implicações da figura típica do Estupro de Vulnerável em nossa sistemática jurídica, estabelecendo uma comparação entre os conceitos da pretérita Presunção de Violência, e a vigente Objetividade Fática do tipo.
Para tanto, teremos como método uma pesquisa bibliográfica qualitativa, na medida em que utilizaremos doutrina por nós elegida, para fundamentarmos nossas colocações e entendimentos, estabelecendo críticas durante o decorrer do trabalho.
Desta feita, sem a pretensão de esgotar a discussão acerca do assunto e a polêmica gerada por este, nos dedicaremos, ao longo deste artigo, a apontar sinteticamente as transformações inseridas em nosso ordenamento jurídico pela Lei 12.015/09, com enfoque específico na nova figura típica Estupro de Vulnerável, apontando as disposições doutrinárias referentes ao mesmo, além de nossas próprias considerações acerca de suas implicações no contexto social brasileiro.
NOVA LEI 12.015/09
Em 7 de agosto do ano corrente de 2009, foi promulgada a Lei 12.015, sendo publicada do Diário Oficial da União, em 10 do mesmo mês, trazendo em si significativas mudanças em relação ao Título VI do Código Penal, anteriormente denominado "Dos Crimes Contra os Costumes".
A nova Lei surgiu de uma iniciativa da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que, juntamente com o Ministério da Justiça, a Secretaria Especial de Direitos Humanos, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União, e a Organização Internacional do Trabalho, deu origem ao Anteprojeto de Lei que, por sua vez, forneceu os parâmetros basilares para a formação do Projeto de Lei nº. 253 de 2004 do Senado Federal, cujo objetivo seria justamente a criação da nova Lei.
Ter o conhecimento da origem de tal Projeto é o que torna possível discernir as motivações que levaram a propositura do mesmo, e, portanto, os bens jurídicos que este procura proteger, possibilitando a análise da coerência entre os objetivos do Projeto, e o que o legislador realmente alcançou na formulação da nova Lei.
2.1 Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual: modificações trazidas pela nova Lei
Com a nova redação do Título VI do Código Penal Brasileiro, diversas e abrangentes foram as transformações sofridas pelo ordenamento jurídico penal, com a modificação de crimes já existentes, a supressão de outros e, ainda, a criação de novos tipos.
Assim, podemos citar como os tipos constituintes da nova Lei: Estupro (Art. 213); Violação sexual mediante fraude (Art. 215); Assédio sexual (Art. 216-A); Estupro de vulnerável (Art. 217-A); Corrupção de menores (Art. 218); Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (Art. 218-A); Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (Art. 218-B); Mediação para servir a lascívia de outrem (Art. 227); Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (Art. 228); Casa de prostituição (Art. 229); Rufianismo (Art. 230); Tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (Art. 231); Tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (Art. 231-A); Ato obsceno (Art. 233); Escrito ou objeto obsceno (Art. 234);
Em contrapartida, houve tipos penais que se encontravam nas anteriores previsões legais que não foram modificados, mas que restaram revogados pela Lei 12.105/09; entre eles os pretéritos artigos 214 (Atentado violento ao pudor) e o 216 (Atentado ao pudor mediante fraude), assim como os artigos 223 e 224, que tratavam, respectivamente das Formas Qualificadas e da Presunção de Violência, e o art. 232, que tratava destes mesmos artigos.
2.2 Exposição de Motivos do PLS nº 253/04 e a Nova Lei 12.015/09
Fácil notar que, por advir de iniciativa de uma CPMI destinada à investigação da Exploração Sexual, o Projeto de Lei em questão se destina, em especial, justamente à proteção do bem jurídico dignidade sexual, com destaque para crianças e adolescentes.
A motivação inicial apontada no Projeto de Lei são os reclames da sociedade por uma legislação penal mais atualizada, e em acordo com as novas concepções sociais acerca da sexualidade, pois considera-se que nosso Código Penal, por ser de 1940, já não atende de forma eficaz as novas demandas sociais. Deste modo, a primeira preocupação do projeto foi a mudança do Título VI do Código Penal, que antes era denominado de "Dos Crimes Contra os Costumes", passando a ser conhecido como "Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual".
Verifica-se, a partir do contraste entre as expressões "Costumes" versus "Dignidade Sexual", que o bem jurídico que agora se busca salvaguardar é diametralmente diverso do anterior, na medida em que se preocupava com as concepções sociais acerca da sexualidade, com os valores morais atribuídos a esta, e não com a própria naturalidade e dignidade em relação ao objeto, e com o indivíduo ofendido imediatamente.
Neste sentido, a Justificação do Projeto de Lei 253/04:
Para a ciência penal, os nomes e os títulos são fundamentais, pois delineiam o bem jurídico a ser tutelado. Assim, a concepção atual brasileira não se dispõe a proteger a liberdade ou dignidade sexual, tampouco o desenvolvimento benfazejo da sexualidade, mas hábitos, moralismos e eventuais avaliações da sociedade sobre estes. Dessa forma, a construção legislativa deve começar por alterar o foco da proteção, o que o presente projeto de lei fez ao nomear o Título VI da Parte Especial do Código Penal como Dos crimes Contra a Liberdade e o Desenvolvimento Sexual [01]. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004). (grifo nosso)
Ainda em se tratando das concepções morais intrínsecas à antiga redação do Código Penal, este trazia, em seu Título VI, determinadas previsões legais que traziam em seu tipo, como causa de aumento de pena, ou até mesmo como elementar do tipo, expressões como "praticá-lo contra mulher virgem, menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos", como, por exemplo, nos antigos crimes de Violação Sexual Mediante Fraude e o crime de Sedução.
Via-se aqui o equívoco do legislador, ao valorar a medida da proteção que merece a vítima, com base em sua virgindade ou ausência desta, quando na verdade sua maior proteção deveria dar-se, única e exclusivamente, por sua tenra idade. Assim justificou o mencionado Projeto: "Ora, o crime contra pessoas que se encontram em determinada faixa etária não deve ser condicionado à virgindade, nem crimes contra mulheres devem ser avaliados por sua pretensa honestidade (...)".
Outra modificação bastante significativa trazida pela nova Lei, foi justamente a conversão do crime de Estupro em uma conduta na qual, tanto homem, quanto mulher, poderiam ser sujeito ativo ou passivo. Isto porque antes o Estupro somente se daria por meio da conjunção carnal (cópula vagínica), como anteriormente explicado. Assim, restava discriminatória a disposição do legislador ao prever crimes distintos, para condutas semelhantes (pois ambos advêm de ato sexual) e bens jurídicos iguais (a liberdade sexual), com base exclusivamente no gênero da vítima.
Corrobora tal afirmação, novamente, a Justificação do supramencionado Projeto:
(...) o presente projeto, por inspiração da definição ínsita no Estatuto do Tribunal Penal Internacional, cria novo tipo penal que não distingue a violência sexual por serem vítimas pessoas do sexo masculino ou feminino. (...) A nova redação pretende também corrigir outra limitação da atual legislação, ao não restringir o crime de estupro à conjunção carnal em violência à mulher, que a jurisprudência entende como sendo ato sexual vaginal. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).
Por fim, como já afirmado, o PLS nº. 253/04 foi uma proposição da CPMI da Exploração sexual, de modo que seu enfoque principal certamente é a proteção á liberdade e dignidade sexual de crianças e adolescentes, contra este tipo de exploração. Por este motivo é que, de forma mais explícita, porém não tão acertada, o novo crime faz jus a sua origem ideológica, na medida em que protege estas vítimas tão específicas, em razão de sua idade e maturidade sexual, tanto no aspecto físico, quanto psicológico.
Explica-se na Justificação que:
O constrangimento agressivo previsto pelo novo art. 213 e sua forma mais severa contra adolescentes a partir de 14devem, ser lidos a partir do novo art. 217 proposto. Esse artigo, que tipifica o estupro de vulneráveis, substitui o atual regime de presunção de violência contra criança ou adolescente menor de 14 anos, previsto no art. 224 do Código Penal. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).
Deste modo, não há mais que se falar em Presunção de Violência no crime de estupro contra menor de 14 anos, pois se considera aqui que, em virtude da tenra idade, a prática sexual é, em qualquer hipótese, uma violação da liberdade e dignidade sexual do ofendido. Assim descreve a Justificação, quando diz que:
O projeto de reforma do Código Penal, então, destaca a vulnerabilidade de certas pessoas, não somente crianças e adolescentes, mas também a pessoa que, por enfermidade ou doença mental, não possuir discernimento para a prática do ato sexual, e aquela que não pode, por qualquer motivo, oferecer resistência; e com essas pessoas considera como crime ter conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência e sua presunção. Trata-se de objetividade fática. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004). (grifo nosso)
Em virtude deste novo entendimento, nos ateremos, no decorrer deste trabalho, ao novo tipo penal Estupro de Vulnerável, apontando nossa compreensão sobre este, e as considerações doutrinárias acerca do mesmo, abordando para tanto, seu conceito, os elementos objetivos e subjetivos do tipo, suas modalidades típicas, e a ação penal cabível, além de outros aspectos que julgamos necessários à compreensão dos efeitos desta nova mudança em nosso ordenamento jurídico penal.



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