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quarta-feira, 25 de maio de 2011

ENQUADRAMENTO DO PASTOR EVANGÉLICO COMO LEGÍTIMO EMPREGADO DA IGREJA

ENQUADRAMENTO DO PASTOR EVANGÉLICO COMO LEGÍTIMO EMPREGADO DA IGREJA

CONSIDERAÇÕES.
Superadas as questões de não intervenção estatal, não enquadramento do pastor evangélico como trabalhador voluntário; desmistificado o voto de pobreza e os demais fatores que influenciam a negativa do vínculo de emprego; verificada a recomendação bíblica sobre a legislação secular; verificada também que o enquadramento jurídico atual junto à Previdência Social é prejudicial ao ministro religioso, bem como definida a natureza jurídica das atividades do pastor como profissão de ofício, basta tão somente verificar a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego nas atividades exercidas pelos ministros religiosos e seus assemelhados, para o enquadramento destes como legítimos empregados da igreja.
10.1.1 A Igreja como Empregadora
Do conceito celetista estudado, vislumbra-se que a igreja foi ali incluída na condição de empregadora típica. Não havendo maiores considerações a se fazerem a esse respeito, bastando tão só verificar, no caso específico dos ministros religiosos, se restam atendidos os requisitos da figura do empregado, hipótese na qual a igreja será seguramente legítima empregadora dos seus trabalhadores.
10.1.2 O Pastor como Empregado
O ministro religioso é pessoa física que presta trabalho à igreja de forma pessoal, não-eventual, onerosa e subordinada. Vejamos:
Aos oficiais das igrejas é confiada uma missão, uma função pessoal que só pode ser realizada por outros com o consentimento da igreja e de forma eventual. Essa missão, em geral, está ligada à realização de cultos, à celebração de ceias, realização de batismos, de cerimônias, e, em alguns casos, à própria administração da igreja, como ocorre nos governos congregacionais. Vislumbrada, aqui, de forma clara, o requisito da pessoalidade no trabalho religioso.
Com relação à não-eventualidade, esta também é de uma clareza solar inconfundível, uma vez que o pastor, quando designado para trabalhar em determinada igreja, em geral, é por tempo indeterminado, sendo seu trabalho nessa igreja de forma permanente, podendo até ser realizado semanalmente, mas, sempre de forma contínua, constante.  Há casos, porém, em que o pastor é eleito, para determinadas funções, por tempo determinado. É o que ocorre nas igrejas de modelo presbiteriano, nas quais o conselho de presbíteros elege o pastor, em geral, por um período de dois anos.
Controvérsias há em torno da onerosidade existente na prestação do trabalho religioso, sendo necessária, neste caso, como diz Godinho, uma investigação no plano subjetivo da onerosidade.
Assim, conforme tratado no tópico do não enquadramento do pastor evangélico como trabalhador voluntário, verificou-se que a prebenda paga pelas igrejas aos pastores, conhecida como salário pastoral, ajuda de custos e similares, é ajustada no momento da contratação/ordenação do pastor e se destina a cobrir as despesas com o sustento dele e de sua família, tendo, portanto, a mesma natureza de salário, conceituado este, no artigo 457 da CLT, como sendo a contraprestação devida e paga pelo empregador ao empregado, pelos serviços que lhe são prestados,[7] e, segundo destinação dada pela Constituição Federal, no art. 7º, IV, o salário presta-se a atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Nesse sentido, o quantum recebido pelo pastor como contraprestação pecuniária por seu esforço despendido em favor da igreja, na verdade, é a sua remuneração, leia-se: o salário acrescido de vantagens.
É oportuno observar que é apenas velada a gratuidade alegada pelos doutrinadores nessa modalidade de prestação laboral, vez que a onerosidade é real e está presente, de forma expressa, na maioria dos estatutos das igrejas, como é o caso do estatuto da Igreja Batista Bíblica, que diz no § 4º do art. 30:[8] “Para o exercício de suas atividades pastorais, o pastor receberá umaprebenda a ser fixada pela Diretoria da igreja”. E, no § 7º, do mesmo artigo, diz-se:
A igreja procurará, na medida de suas possibilidades reajustar o salário do pastor todas as vezes que o salário mínimo for reajustado, e embora, não tendo ele nenhum vínculo empregatício com a igreja, também procurará oferecer a ele os mesmos benefícios concedidos por lei aos outros trabalhadores assalariados, garantindo assim um sustento e previdência dignos. Destaque aposto.
A observação aqui é a de que algumas igrejas não reconhecem o vínculo empregatício dos seus oficiais, mas concedem a eles os direitos do trabalhador celetista, previstos no art. 7º da Constituição Federal. Na pesquisa de campo realizada para a conclusão deste trabalho, constatou-se essa prática, aqui em São Luís, pelas Igrejas Primeira Igreja Batista Brasileira de São Luís, localizada na Avenida Kennedy, nesta cidade (informação verbal) e da Igreja Messiânica Mundial do Brasil, localizada também nesta cidade, na Avenida dos Franceses, 567, Vila Palmeiras (informação verbal).
Dessa forma, se algumas igrejas estão cumprindo a recomendação bíblica de obediência à lei terrena para dar bons exemplos, por que não estender tal prática às demais, já que presente o elemento da onerosidade no trabalho do pastor!
Ponto de maior polêmica, no entanto, tem sido o dasubordinação jurídica nas relações eclesiásticas. A doutrina e a jurisprudência brasileiras, conforme mostrado nos tópicos específicos, entendem que não há subordinação jurídica no caso do ministro religioso, mas tão somente subordinação hierárquica, consubstanciado tal entendimento na seguinte transcrição jurisprudencial:
Relação de emprego. Ministro Evangélico. A subordinação hierárquica do Ministro ao Pastor da Igreja, como no caso do reclamante, trata de vocação religiosa e não tem as mesmas características materiais que envolvem a subordinação hierárquica do trabalhador comum. O Pastor ou o Ministro, na verdade, não prestam serviços em proveito da pessoa jurídica da Igreja, mas sim em proveito da comunidade religiosa, ou seja, para cada um daqueles fiéis freqüentadores do Templo, não se caracterizando, assim, a relação de emprego desejada.[12]
A despeito dos argumentos lançados na decisão citada, importa ressaltar que a questão da vocação já foi superada neste estudo e, quanto à relação do trabalho do pastor com a igreja, importa dizer que a pessoa jurídica tem existência distinta da pessoa de seus membros, conforme disciplinava o art. 20, caput, do antigo Código Civil, que hoje foi absorvido pelo art. 50 do novo CC. O Deputado Ricardo Fiúza apresentou um Projeto de Lei, que está em tramitação no Congresso Nacional para resgatar a redação do caput do art. 20 do Código Civil de 1916.[13] Assim, fica bem claro que as pessoas físicas são distintas das pessoas jurídicas, quando civilmente organizadas.
A igreja, portanto, como pessoa jurídica, também absorve essa característica, já que, como bem coloca Délio Maranhão,[14] em que pese voltar-se para o outro mundo, também é deste mundo, e nele uma organização, enquadrando-se no disciplinamento jurídico terreno estendido às entidades similares. De modo que o pastor, enquanto pessoa física, presta serviço à igreja e esta, enquanto pessoa jurídica, é que presta serviço à sociedade, sendo um distinto do outro.
Superada mais essa discussão, é possível vislumbrar-se a existência da subordinação jurídica nas relações eclesiásticas em situações como as citadas na Revista Vinde (atual Eclésia),[15] de circulação no meio evangélico, como segue:
Grande parte dos pastores, de fato, dão duro no santo batente dos cultos, aconselhamentos, visitas, cruzadas e um sem número de atividades elcesiásticas. Não obstante, há casos de ministros que são transferidos de uma cidade para outra à sua revelia, ou simplesmente mandados embora, sem um real de indenização. Algumas vezes, basta bater de frente com o mandachuva da igreja para ganhar a rua da amargura, com mulher e filhos[16].
Nesse sentido, já se encontram decisões na jurisprudência mais recente dos tribunais trabalhistas brasileiros, a exemplo do Tribunal do Trabalho do Espírito Santo, que reconheceu a relação de emprego do pastor, sem necessidade de recorrer ao desvirtuamento da igreja.
RELAÇÃO DE EMPREGO. PASTOR OU AUXILIR DE PASTOR. O reclamante era pastor ou auxiliar de pastor, dependendo da hipótese, fato confirmado pelos depoimentos testemunhais. A Recorrida não nega os fatos articulados na inicial. Apenas aponta como fundamento jurídico que o Reclamante prestava serviços por ter aderido à crença e à ela se dedicado, recebendo daí auxílio para sua pessoalidade. A subordinação, como se sabe é jurídica. A prova ora favorece ao Reclamante quanto à existência de tais requisitos, inclusive pela testemunha arrolada pela Reclamada (fls. 75). A Reclamada inclusive transacionou direitos de uma outra Reclamação anteriormente ajuizada (fls. 49), no valor de R$ 5.000,00. Assim, perfeitamente possível é o reconhecimento do vínculo de emprego do trabalhador que presta serviços como pastor ou auxiliar de pastor, quando seu labor se apresenta de forma subordinada, onerosa e absolutamente necessária aos fins da instituição religiosa (a arrecadação de contribuições em pecúnia, aumento do número de fiéis, pregações, curas milagrosas, divulgação da igreja, etc). Dou provimento ao apelo, no particular.[17]
Com efeito, os elementos caracterizadores do vínculo estão presentes em boa parte das relações eclesiásticas, porém não se pode dar tratamento isonômico a essas relações, uma vez que, conforme mostrado no tópico específico, as igrejas se organizam de formas diversas. E, como visto também, a forma de contratação de seus ministros e o nível de sujeição é de acordo com a forma de governo adotada pela igreja. De modo que em um modelo pode está claramente configurada a subordinação jurídica e em outro não está tão clara assim. Essa investigação, na verdade, deve ser feita caso a caso.
No caso das igrejas de governo episcopal, a subordinação jurídica é facilmente verificada, porque há uma hierarquia em sua organização, havendo sempre um oficial subordinado a outro. 
No sistema presbiteriano, há um grupo de oficiaissubordinado a outro grupo, sendo o pastor um dos membros desse grupo. Aqui, a subordinação jurídica do ministro deve ser investigada no caso concreto, principalmente porque poucas são as igrejas que têm uma forma de governo fiel ao modelo apresentado. 
No modelo de igrejas independentes é que se mostra mais difícil a investigação da subordinação jurídica, porque as igrejas são independentes e cada pastor está subordinado apenas à assembléia de membros, sendo, em algumas vezes, ele quem administra a igreja e a si próprio. 
Entretanto, tanto para o sistema presbiteriano quanto para o congregacional, como também para o oficial hierarquicamente superior no sistema episcopal, vale dizer que a subordinação é para com a igreja, como pessoa jurídica dotada de personalidade própria. É a igreja, formada pelos vários fiéis (sendo o ministro apenas um deles), quem elabora e aprova o estatuto e o regimento interno, fazendo constar lá toda a forma de administração, incluindo a formação/contratação do pastor, sendo ela também quem destitui ou demite os obreiros, não tendo eles, em regra, cargo vitalício, de modo que, não estando o pastor satisfazendo os interesses da igreja, ela simplesmente o afasta e coloca outro em seu lugar. É oportuno trazer à colação a redação do art. 30, caput, do estatuto da Igreja Batista Bíblica (modelo congregacional), que dispõe:
O pastor titular será convidado pela Igreja, deverá ser qualificado moral, espiritual, e doutrinariamente para seu ofício de acordo com a declaração doutrinária da igreja, empossado pela Assembléia Geral, epermanecerá no cargo enquanto bem servir.[18]  Destaque aposto.
Portanto, em qualquer modelo, pode estar presente a figura da subordinação jurídica, típica dos contratos de trabalho.
E para aqueles que entenderem não haver subordinação jurídica na relação em foco, importa trazer o entendimento do professor Roberto Fragalle Filho, exposto no artigo As transformações do trablaho e seu conceito de subordinação jurídica. Segundo ele, em face da dificuldade de se verificar a subordinação jurídica nas relações do pastor com a igreja, pode haver um abandono da lógica jurídica, estrita da subordinação, para adoção de categoarias elaboradas pela sociologia e outros campos do saber, uma vez que, no seu entender, parece não haver dúvida de que a subordianção jurídica, por si só, não mais se encontra apta a responder às indagações e às perplexidades do mundo do trabalho.[19]
Dessa forma, vislumbra-se que é perfeitamente possível o enquadramento dos ministros religiosos e seus assemelhados como legítimos empregados das igrejas e de suas respectivas extensões. Dizer o contrário é uma questão de entendimento, o que é perfeitamente aceito no direito, devido à sua diversidade de interpretações, exaltada por muitos como a Beleza do Direito. Entretanto, diante do contexto político-sócio-econômico em que as igrejas se encontram atualmente e diante da crescente demanda trabalhista dos religiosos, os operadores do Direito vão ter que rever suas antigas concepções e dar uma resposta satisfatória a esse novo fato social.
[1] Cf. Tópico: 5.2.7  Empregado.
[2] IGREJA BATISTA BÍBLICA NACIONAL (São Paulo). Estatuto da Igreja Bíblica Nacional. Art. 30, § 3º.  Disponível em: <http://www.cbbn.org.br/estatuto65.htm>. Acesso em: 25 nov. 2003.
[3] Cf. Governo Congregacional ou Independente,  tópico 3.1.4.
[4] IGREJA BATISTA NACIONAL DO COHATRAC (São Luís, MA).Estatuto da Igreja Batista Nacional do Cohatrac. Art. 13º, § 2º. Mimeografado. Sem notas.
[5] Informação prestada por Antônio Fontes M. de Sousa, Presidente do Presbitério Leste do Maranhão e Presidente da Igreja Presbiteriana do Cruzeiro do Anil, nesta Cidade, onde está em exercício. Entrevista realizada no dia 02.03.2004, às 10:00h.
[6] DELGADO, loc. cit.
[7] SÜSSEKIND, op. cit., p. 351.
[8] IGREJA BATISTA BÍBLICA NACIONAL (São Paulo, SP). Estatuto da Igreja Bíblica Nacional. Art. 30, §§ 4º e 7º.  Disponível em: <http://www.cbbn.org.br/estatuto65.htm>. Acesso em: 25 nov. 2003.
[9] Cf. Tópico: Vínculo empregatício: conceito.
[10] Informação prestada por Eliezer Lourenço da Silva, Pastor Presidente da Primeira Igreja Batista Brasileira de São Luís. Entrevista realizada no dia 20 de fevereiro de 2004, às 11:00h.
[11] Informação prestada por Raimundo Eduardo Vasconcelos, Ministro de Culto Religioso, responsável pelo Centro de Aprimoramento do Maranhão e Coordenador de Administração da Área Norte, com exercício na Igreja Messiânica da Vila Palmeiras. Entrevista realizada no dia 05 de março de 2004, às 10:30h.
[12] SÃO PAULO. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 15. Acórdão nº 3.5391. Recorrente: Lourenço Melquiades dos Santos. Recorrido: Igreja Evangélica Assembléia de Deus. Relator: Juiz Luiz Carlos de Araújo. Campinas, SP, 01 de dezembro de 1999. Disponível em: <http://www.trt15.gov.br/>. Acesso em: 24 jan. 2004.

[13] SÃO PAULO. Tribunal Regional Federal. Região, 3. Projeto de Lei nº 7160/2002. Alterações ao novo Código Civil. Autor: Deputado Ricardo Fiuza. Desembargador: Mairan Gonçalves Maia Júnior. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/outras_publicacoes/propostas_da_comissao/
maia_junior.pdf>. Acesso em: 15 set. 2004.
[14] SÜSSEKIND, loc. cit.

[15]. IGREJA PRESBITERIANA DO GUARÁ II. Revista muda de direção. Boletim oficial da igreja. Ano XXI. nº 320.18/03/2001. Disponível em: <http://www.google.com.br/search?q=cache:EitPE1TbNDcJ:
+Ecl%C3%A9sia%22+Vinde&hl=pt-BR&lr=lang_pt>.Acesso em: 10 set. 2004.
[16] FRAGALE FILHO et al, p. 1059, Apud Revista Vinde, nº 44, julho, 1999, pag. 19.
[17] ESPÍRITO SANTO. Tribunal Regional do Trabalho. Região, 17. Acórdão nº 6361. Recorrente: Cristiano Carmo da Silva. Recorrido: Igreja Universal do Reino de Deus. Juiz Redator: Lino Faria Petelinkar. Vitória, ES, 02 de setembro de 2003. Disponível em: <http://www.trt17.gov.br/jurisprudenciaX.asp>. Acesso em: 12 fev. 2004.
[18] IGREJA BATISTA BÍBLICA NACIONAL (São Paulo, SP). Estatuto da Igreja Bíblica Nacional. Art. 30, caput.  Disponível em: <http://www.cbbn.org.br/estatuto65.htm>. Acesso em: 25 nov. 2003.
[19] FRAGALE FILHO, Roberto. As transformações do trabalho e seu conceito de subordinação jurídica. Disponível em: <http://www.race.nuca.ie.ujrj.br/abet/revista/artigos%203/robertofilho3.htm>. Acesso em: 12 mar. 2004.

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